segunda-feira, 11 de abril de 2011

“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de sua mão” (Salmos 19: 1)

Manoel Bandeira afirmou certa vez que “assim, na companhia paterna, ia-me embebendo dessa idéia de que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas". Ora, é normal pensar que a poesia estaria nos nossos amores (aquilo que é grande para mim). Agora, nem sempre vemos a poesia nos chinelos, apesar da poesia ser feita de “pequeninos nadas”.

Essa afirmação muito nos lembra o Salmos 104. Nele, vemos que a glória de Deus é manifestada na criação e na conservação de todas as coisas - tanto nas grandiosas, como os céus, as águas, as nuvens, os ventos, os mares, como nas pequenas, o capim, a verdura, os pássaros, o vinho, o pão. Observando tanta beleza, é possível compreender a admiração do salmista, que proclama: “A glória do Senhor seja para sempre!” (Salmos 104:31).

Ocorre que nem sempre nós, cristãos, agimos assim. A espiritualidade moderna, nos dizeres de Guilherme de Carvalho, tirou Deus das coisas do mundo. Lá está Ele, na Igreja, na Bíblia, nos momentos diários de louvor, nas orações. Entretanto, agindo de forma individualista e imediatista com o meio à nossa volta, esquecemos que a criação reflete a Sua glória e soberania.

Não é por menos que Peter Singer critica a postura cristã com o meio ambiente. O autor afirma que nossa irresponsabilidade deriva da própria Bíblia que, em Gênesis 1:26-28, afirma que nos foi dado todo o domínio sobre todas as coisas. Ou seja, uma carta branca, como se superiores fôssemos, para tudo fazer nesse mundo.

Realmente, concordemos com o autor quanto a nossa irresponsabilidade. Temos esquecido o chamado em Colossenses 1:20 de reconciliação de todas as coisas, guardando nossa fé para nossas Igrejas e não refletindo em nosso planeta. Mas, isso não nos impede de criticar a interpretação de Singer do termo domínio.

Assim como a poesia não é o romance nem o poema, o Deus cristão não é a natureza. Esta manifesta sua glória, mas não se confunde com Ele. Isso não quer dizer que não devemos respeitá-la.  De fato, a palavra domínio não significa, como tenta nos fazer crer Singer, que possuímos uma autorização divina para fazer com o planeta o que quiser. Ao contrário, a Bíblia nos ensina que o universo foi criado para o deleite de Deus (Apocalipse 4:11). Além disso, Deus, ao usar a palavra dominar (kabash, em hebraico), não exclui o dever de cuidado também dado a Adão (Gênesis 2:15).

Dessa forma, a palavra domínio não deve ser entendida sem o conceito de mordomia, presente, desde os primórdios, nas sociedades judaico-cristãs. Esta enfatiza o cuidado e a conservação da Terra e vê a criação como um presente de Deus que deve ser administrado fielmente a Seu favor. Isso justificaria o interesse dos cristãos pela administração de nosso planeta e a ética da natureza. Claro, lembrando sempre que não basta ficar apreciando a criação de Deus. Ele mandou que cuidássemos dela!

Apenas entendendo nosso papel como cristãos perante a criação, mediante o qual Deus e o universo se diferem, e ao mesmo tempo se aproximam, poderemos desfrutar- e cuidar!- de nosso planeta. Tanto das coisas grandes quanto dos chinelos.

“Ame toda a criação de Deus, ela inteira e cada grão de areia nela. Ame cada folha, cada raio de luz de Deus. Se amar tudo, perceberá o mistério divino nas coisas”
Dostoievski

Quer saber mais? Leia Gênesis 1-2 e "Brincando de Deus- uma conversa sobre à ética na medicina e na tecnologia", editado por Tony Watkins.

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